segunda-feira, 15 de novembro de 2021

'Round 6' e o k-drama: Coreia do Sul apostou na cultura e virou potência no cinema e na TV

Série de terror baseada em jogos infantis da Coreia do Sul bateu recorde da Netflix. Sucesso é resultado de mais de duas décadas de aposta do país em cultura pop como indústria rentável e estratégica


Rafaelle Gomes

Fonte: g1.globo.com

Em: 13/10/21


Se hoje o mundo não consegue tirar a "batatinha frita, 1, 2, 3" de "Round 6" da cabeça, é porque a Coreia do Sul trabalhou por mais de duas décadas para transformar sua produção cultural em lucro e poder.

"Round 6"
Imagem: pinturasdoauwe.com.br

Em 1994, o país queria se modernizar após anos de censura e governos militares. Kim Young Sam, primeiro presidente civil eleito em 30 anos, achou um dado curioso: o filme americano “Parque dos dinossauros” superou o lucro de 60 mil carros coreanos da Hyundai.

O caso está em uma reportagem do jornal “Los Angeles Times” de 1996, que explicava o interesse dos sul-coreanos na indústria audiovisual dos EUA. Vinte e cinco anos depois, o país que apostou no entretenimento exporta sucessos como o filme Parasita” e a série “Round 6”.

Os brasileiros podem ficar surpresos com a vitória do Oscar em 2020 e, agora, com o fenômeno popular da nova série em 2021. A história de terror baseada em brincadeiras infantis coreanas se tornou a série mais vista da história do serviço de streaming.

A face mais conhecida dessa onda até hoje no Brasil era a musical. Mas tal "onda coreana" (ou "hallyu", na língua local), semeada nos anos 90, cultivada no início dos anos 2000 e colhida agora, também fez brilhar o k-drama, as produções de TV da Coreia do Sul. Exportar essas histórias foi um projeto de início improvável e hoje bilionário.

 

Negócio na China

A primeira façanha do “hallyu” aconteceu bem antes de o BTS existir. Em 1997, o k-drama What Is Love” virou um sucesso na TV chinesa, a CCTV. A emissora controlada pelo estado, de conteúdo restrito e público gigantesco, se abriu para o k-drama.

No meio da crise asiática do final dos anos 90, era um sinal de que entretenimento é coisa séria. A Coreia do Sul, antes considerada atrasada e fechada, se jogou de vez no mundo.

Foi nesta época que o Ministério da Cultura, que havia sido criado em 1990, começou a receber mais investimentos e modernizar seus programas. A atenção não era apenas às manifestações tradicionais coreanas, mas também à cultura pop.

"A Coreia investe na área cultural porque achou que era um mercado de futuro, que vai trazer resultado. Nos próximos anos, o mercado cultural vai crescer mais que os de Tecnologia da Informação e de automóveis", disse Sang Kwon, diretor do Centro Cultural Coreano no Brasil.

A onda coreana rende ao país o chamado "soft power" (poder brando), termo que descreve influência de uma nação através dos seus produtos culturais. Os k-dramas ganharam o coração até dos vizinhos coreanos do norte, que pirateiam e contrabandeiam fitas dos programas.

Música e TV estão longe de serem casos isolados de sucesso da Coreia do Sul. O país triplicou seu Produto Interno Bruto (PIB) entre 2000 e 2018 - de US$ 500 bilhões a 1,5 trilhão. O “hallyu” faz parte da inovação em cultura e tecnologia que ajudou neste salto.

O orçamento do Ministério do Turismo, Cultura e Esportes da Coreia do Sul em 2021 foi de 6,8 trilhões de yuons - cerca de R$ 31 bilhões, mais de dez vezes maior do que o do Brasil, que foi de 2,2 bilhões para as três áreas.

Em 2019, a exportação de produtos culturais da Coreia do Sul cresceu 22,4% e chegou a US$ 12,3 bilhões. O objetivo é incentivar artistas e empresas para somar investimento público e privado. Agora, até a americana Netflix entrou na roda, e planeja investir US$ 500 milhões em dramas coreanos.

Em 2017, uma pesquisa do Ministério do Turismo da Coreia do Sul indicou que metade dos visitantes estrangeiros decidiu fazer a viagem após ver o país em alguma série de TV ou filme.


Histórias de família... e dívidas familiares

O k-drama ganha a América duas décadas após conquistar a China, baseado em histórias românticas de conteúdo familiar (palatáveis ao temido governo chinês), e se expandir para o resto da Ásia, inclusive o Japão, que antes ditava o que era “cool" no continente.

“É preciso quebrar a barreira do preconceito para assistir um k-drama, mais do que para ouvir o k-pop. Mas, para divulgar a cultura, o k-drama consegue fazer melhor, porque mostra coisas do dia a dia da cultura coreana que só por uma música você não vai saber”, conta Manu Gerino, dona do canal do YouTube Coreanismo, especializado em k-dramas.

Manu Gerino do canal Coreanismo
Imagem: youtube.com

Durante um tempo, os k-dramas foram estereotipados pelo conteúdo familiar e água-com-açúcar. Mas "Round 6" mostra, com doses intensas de terror e crítica social, que o cardápio é diverso. “Hoje temos acesso a mais gêneros, porque antes vinham ao Brasil só romances e comédia romântica, então a gente tinha uma visão idealizada do que é o coreano", diz Manu.

Ela aponta uma característica dos roteiros que pode ter ajudado no sucesso do k-drama: contar histórias sobre a cultura local com um pano de fundo de dilemas universais - seja amor, família ou, no caso de "Round 6" e "Parasita", a pobreza e a desigualdade econômica.

"Há um encontro do global com o local, um misto entre ser da Ásia e ser internacional. Tem algumas coisas nos dramas coreanos que se relacionam muito facilmente com produções dos EUA, da Europa e do Brasil", diz Manu.

Um exemplo: os brasileiros podem não conhecer os jogos infantis do folclore sul-coreano, mas não devem ter dificuldade para entender o drama da pobreza e das dívidas dos personagens de "Round 6", que os leva a participar do jogo violento.

Série coreana ‘Round 6’ estreou em 17 de setembro e lidera entre os programas mais vistos da Netflix
Imagem: glamurama.uol.com.br


A atuação dos sul-coreanos costuma causar menos estranhamento do que dos japoneses, por se aproximar mais do estilo ocidental, explica Manu. Para quem gostou de "Round 6", ela recomenda os k-dramas "Black", "Strangers from Hell" e "Além do Mal".

"Eles sempre conseguem fazer produções muito comerciais e, ao mesmo tempo, ter uma crítica social ou fazer refletir sobre algo da vida", diz a dona do canal Coreanismo.

Biscoito Dalonga é uma das brincadeiras infantis mostradas em Round 6
Imagem: vogue.com


Para além de 'Parasita', de Bong Joon-ho, cultura coreana já é realidade no cotidiano de cearenses

O cinema e o Kpop tem influenciado o crescimento pela procura dos aspectos culturais da Coreia do Sul, levando os fãs a conhecerem mais sobre a cultura, a culinária e até o idioma do país

 

Rafaelle Gomes

Fonte: diariodonordeste.verdesmares.com.br

Em: 02/03/20

 

O mundo direcionou o olhar para a Coreia do Sul depois que “Parasita”, de Bong Joon-ho, levou a estatueta de 'Melhor Filme' na premiação mais tradicional da indústria do cinema, o Oscar. A cultura coreana já vem influenciando os brasileiros há algum tempo em diversos aspectos, seja no cinema, música, gastronomia e até mesmo no idioma.

A expansão cultural coreana não é recente, ela é resultado de investimentos reforçados do Ministério da Cultura da Coreia do Sul. De acordo com um levantamento de dados realizado pelo G1, em 2005, o Governo coreano criou um fundo de US$ 1 bilhão para a música popular do país, o Kpop. Como consequência disso, a Coreia do Sul deixou a 30° para a 6° posição de maior mercado fonográfico do mundo em 10 anos, de 2007 a 2017. Durante o mesmo período, o Brasil avançou apenas duas posições no mesmo ranking.

A explosão do Kpop no Ocidente aconteceu em 2012, com o hit "Gangnam style", de Psy. Desde então, os fenômenos da Coreia do Sul, como BTS, Black Pink e Monsta X conquistaram fãs em diversas partes do mundo, inclusive no Ceará. 

Após premiação de Parasita, Cultura Sul-coreana dispara no Brasil
Imagem: noticias.portaldaindustria.com.br

KPOP

A dança é uma das características mais marcantes da música popular coreana. Os grupos desse estilo musical realizam coreografias elaboradas durante suas apresentações e videoclipes, se tornando uma “febre” mundial entre os jovens. Aprender essas coreografias faz parte de ser fã de um grupo ou artista de Kpop

Em Fortaleza, não é diferente. Jovens se reúnem para ensaiarem juntos as músicas de seus grupos favoritos. O que parece hobby, no entanto, já é visto com um olhar profissional por alguns fãs da capital. O Kouhai é um desses grupos. Ele foi fundado em setembro de 2019 e já participou de diversas competições de coreografia de Kpop.

Nesses eventos, os grupos reproduzem os passos elaborados pelos artistas coreanos e investem em roupas semelhantes aos utilizados pelos ídolos de Kpop. O estudante Gabriel Sampaio é um dos doze membros do Kouhai e acredita que se apresentar nas competições é uma forma de ter reconhecimento da dedicação dos participantes. “Além de estarmos fazendo uma coisa que a gente gosta, precisamos ver também um propósito nisso, de forma que isso dê um resultado, tanto pessoal como financeiro também”, explica.

Para reproduzir as coreografias, o Kohai ensaia semanalmente no Cuca Mondubim. Além das competições, o grupo participa também de mostras de Kpop em outros eventos de Fortaleza. Por conta desses encontros, Gabriel diz que passou a conviver mais com outros aspectos da cultura coreana.  “Nos eventos, sempre há a venda de pratos típicos da Coreia, além de comentarem sobre as características do país. Então, a gente se aprofunda mais”, contou.

Integrantes do BlackPink conquistam fãs
Imagem: dbkpop.com

IDIOMA

A paixão pelo Kpop foi o motivo que levou Beatriz Gurgel, de 11 anos, a estudar o idioma coreano sozinha em casa por meio de videoaulas e plataformas de pesquisa. A estudante começou as pesquisas para entender as letras das canções e compreender o que os artistas coreanos falavam em entrevistas. “É uma língua complicada, acho que o mais difícil é decorar o que significa cada símbolo e a pronúncia”, diz.

Fã de BTS, Blackpink e Twice, ela quis conhecer mais sobre a cultura da Coreia do Sul depois que conheceu Kpop. Além da música, a estudante passou a consumir também pratos da culinária coreana e Doramas, séries de drama do país, por meio de plataformas streaming. 

O crescimento da popularidade da música, do cinema e dos programas de televisão coreanos é apontado por Yeji Yeom, coordenadora e professora do Instituto de Língua Coreana em Fortaleza, como as principais razões pelo aumento da procura do curso de coreano na instituição, que conta com cerca de 90 a 100 alunos por semestre. 

Nascida em Busan, na Coreia do Sul, Yeji conta que, antes de morar no Brasil, viajou por vários lugares do mundo, e sempre encontrava pessoas interessadas nas músicas, comida, cinema e no estilo de vida do país asiático. Em Fortaleza, o padrão se repetiu e a coordenadora percebeu que muitos fortalezenses tinham vontade de aprender o idioma, mas não encontravam cursos com professores nativos.  

Identificando essa necessidade, Yeji fundou o instituto em 2016. “Muitas pessoas perceberam que a Coreia do Sul é um case de sucesso na área de educação e industrialização. Isso tudo faz com que mais pessoas queiram aprender sobre o país e consequentemente a nossa língua”, afirma.  

Hangul: a língua coreana
Imagem: hallyubrasil.com

CULINÁRIA 

Japchae é um prato feito à base de um macarrão de batata doce
Imagem: jessicagavin.com

Vegetais, macarrão e arroz são alguns dos principais ingredientes utilizados na culinária da Coreia do Sul. Caracterizados pelo sabor apimentado, os pratos do restaurante Kbab precisaram sofrer algumas alterações nas receitas originais devido à carência dos produtos no comércio de Fortaleza. 

Branco Sung, dono do restaurante, também nasceu em Busan, na Coreia do Sul, e conta que precisou substituir o arroz coreano pelo japonês, mas que os molhos e o macarrão utilizados nos pratos são importados do país asiático. “Outros ingredientes como carne e verduras nós compramos no mercado local aqui. Para arroz, usamos o japonês porque é similar ao arroz coreano”, explica.

O Jaeyuk Bokum é um dos pratos servidos no restaurante Kbab
Imagem: diariodonordeste.verdesmares.com.br

No Kbab, os pratos mais pedidos pelos clientes são o Japchae, um macarrão à base de batata doce, e o Bibimbap, uma tigela de arroz com vegetais e molho picante fermentado coreano. Branco explica que comer arroz é algo bastante cultural na Coreia do Sul, onde as pessoas chegam a se alimentar tradicionalmente com o produto três vezes ao dia.  “Uma das verduras que os coreanos mais gostam é a acelga. Nós fazemos KIMCHI com acelga, por exemplo, que é pickle picante fermentado”, conta. 

As receitas coreanas do Kbab vêm conquistando o paladar dos cearenses desde 2015.

 

K-pop é poder: Como Coreia do Sul investiu em cultura e colhe lucro e prestígio de ídolos como BTS

Governo apoiou projetos de música e criou até 'departamento de k-pop' no Ministério da Cultura. Estilo rende mais de US$ 4,7 bilhões e impulsiona economia, turismo e diplomacia sul-coreana 


Rafaelle Gomes

Fonte: g1.globo.com

Em: 23/05/19

 

Atrás dos cabelos coloridos, mistura de ritmos e da gritaria em torno de ídolos do k-pop, existe um projeto organizado. Com a expansão global, a indústria musical do país do BTS cresceu 17,9% só em 2018. O k-pop rende mais de US$ 4,7 bilhões ao ano, liderado por empresas privadas, com ações na bolsa e tudo. Mas também é resultado de uma aposta de 20 anos do governo da Coreia do Sul em cultura.

Em 1998, para ajudar a espantar a crise asiática do ano anterior, o governo passou a turbinar sua indústria criativa, o Ministério da Cultura teve verba reforçada e ganhou setor dedicado à cultura popular, depois apelidado “departamento de k-pop”. De uma visão moralista, que tinha até censura de músicas, passou a apoiar a nova música pop com subsídios e promoção de festivais.

O país passou de 30º a 6º maior mercado de música do mundo de 2007 a 2017 - superando o Brasil. A explosão no ocidente foi em 2012, com o fenômeno “Gangnam style”, de Psy. Em 2005, o governo criou fundo de US$ 1 bilhão voltado ao k-pop. Estima-se que só o BTS movimente, direta e indiretamente, US$ 3,7 billhões ao ano na economia do país.

PSY em Gangnam Style
Imagem: jornalnh.com.br

O governo incentiva o distrito de Changdong, em Seul, a virar o "bairro do k-pop": há casas de shows, estúdios, lojas e arena para 20 mil pessoas, prevista para 2021. A música ajuda até na sensível relação entre as Coreias. Em 2018, uma rara parceria permitiu vários shows de k-pop no Norte.

Além disso, o turismo total no país triplicou nos últimos 15 anos, 1 a cada 13 turistas citou o BTS como motivo de escolher visitar a Coreia do Sul, diz o Instituto Hyundai.


K-pop

Uma turma de adolescentes treina coreografias ao som de músicas do BTS no primeiro andar de uma casa no Centro de São Paulo. Logo em cima, fica uma sala cheia de livros de arte e negócios em coreano, um quadro de eventos e uma mesa bagunçada com pastas e relatórios.

As adolescentes se aproveitam do espaço aberto no Centro Cultural Coreano no Brasil (CCCB), inaugurado em 2013. Às sextas, há aulas de k-pop. Mas era uma quarta-feira. Os funcionários explicam que há sempre gente usando o salão livre e amplo do centro para treinar as coreografias.

A sala no 2º andar é de Young Sang Kwon, 50 anos, diretor do centro. Ele é, oficialmente, um diplomata coreano, e comanda uma equipe de oito pessoas. Eles planejam eventos e produzem relatórios, sempre enviados ao Ministério da Cultura da Coreia do Sul, que banca o CCCB.

A criação de centros de cultura em outros países faz parte da tal política lá de 1998. Já são 33 pelo mundo. Claro que o salto econômico da Coreia nos últimos 20 anos ajuda nessa expansão. Mas não se trata de gastar dinheiro que está sobrando. É investimento com retorno.

Em agosto de 2018, a revista "Forbes" noticiou que as ações das três maiores empresas de k-pop subiam, mesmo em um trimestre difícil nas bolsas de Seul. Investidores estavam animados com o sucesso dos grupos de k-pop na América do Norte e do Sul, disse a revista.

A verba total do governo sul-coreano para a cultura em 2019 é de R$ 6,4 bilhões (1,89 trilhão de wons). No Brasil, o orçamento para o setor cultural foi de R$ 1,9 bilhão - valor previsto em 2018, no final da gestão de Michel Temer, antes da extinção do Ministério da Cultura no atual governo.

 

BTS fomenta a economia sul-coreana 
Imagem: dbkpop.com

Apoio grande, mas bem planejado

"A Coreia investe na área cultural, porque achou que era um mercado de futuro, que vai trazer resultado. Nos próximos anos, o mercado cultural vai crescer mais que os de Tecnologia da Informação e de automóveis", diz Sang Kwon.

Ele explica que apoio não é financiamento total. A maioria de subsídios é para grupos iniciantes ou projetos específicos. Há mais de 3 mil produtoras musicais na Coreia hoje, ele conta. As três grandes empresas do ramo (SM, JYP e YG) já andam muito bem com as próprias pernas.

A turnê do BTS no Brasil, por exemplo, tem verbas 100% privadas. Mesmo assim, os centros ficam de olho em dados e oportunidades escolhidas a dedo para parcerias, Sang Kwon explica. Ele dá o exemplo de apoio um festival de k-pop em um país onde o fenômeno crescia.

"A SM (dona de grupos como Girls' Generation, SHINee e EXO) estava interessada em fazer um evento na França. Mas o custo seria grande, pois o cachê dos artistas deles são altos. O governo coreano estudou, pesquisou, e viu que havia sim um potencial de ampliar muito o público francês. Então, houve um apoio direto e o evento foi um sucesso", ele conta.

 

Pop adolescente, negócio de gente grande

No Brasil, ainda não houve festival de grande porte com financiamento direto do governo coreano. O CCCB promove aqui aulas de dança, de culinária, concursos de k-pop, e apoia shows e eventos menores. Além dos 60 eventos por ano, eles ainda mantêm o governo de lá informado.

"Em um show como o do BTS, nosso papel é de levantar pesquisas, estudos, cobertura de imprensa, e passar os dados de reação do público ao governo da Coreia", explica Sang Kwon.

Sang Kwon não tem dúvida do impulso do k-pop para seu país natal. Ele cita dados de turismo. Mesmo sendo um destino distante e caro, o número de visitantes brasileiros lá subiu de 4,8 mil em 2003 a 19,7 mil em 2018.

"Cada vez mais gente nos procura para cursos de língua, também", ele diz. Não precisa ir longe para saber o perfil de um público cada vez mais interessado na Coreia: são as meninas adolescentes treinando as coreografias do BTS lá no primeiro andar.

O diretor não é o público-alvo do k-pop. Ele é mais fã da dança contemporânea e do cinema do seu país. Ele admite que o fenômeno do k-pop pode tirar o foco de outros setores tradicionais da cultura. "Por outro lado, ele pode ser uma porta de entrada para outros conteúdos nossos."

Sang Kwon tem jeito de intelectual e fica sem graça ao ser perguntado sobre seu integrante preferido do BTS. No fim das contas, declara: Jimin. Ele diz que estará na plateia do Allianz Parque no dia 25, claro. Trabalho é trabalho.

 

BTS é fenômento dentro e fora do Ocidente
Imagem: pinterest.com

'Soft power'

O k-pop está longe de ser um caso isolado de sucesso atual da Coreia do Sul. O país triplicou seu Produto Interno Bruto (PIB) entre 2000 e 2018 - de US$ 500 bilhões a 1,5 trilhão. A música está em um contexto de inovação em cultura e tecnologia que ajudou neste salto.

O estalo para o investimento público no setor nem foi musical. Foi a explosão de audiência de uma novela sul-coreana na China, "What is love", em 1997, que fez o governo pensar em globalizar sua cultura pop. É o que contam os pesquisadores Tae Young Kim e Dal Yong Kim.

Foi nesta época que o Ministério da Cultura, que havia sido criado em 1990, começou a receber mais investimentos e modernizar seus programas. A atenção não era apenas às manifestações tradicionais coreanas, mas também à cultura pop, com o tal “departamento de k-pop”.

Os pesquisadores analisam o "soft power" no artigo "Política cultural na Onda Coreana", publicado no "International Journal of Communication". "Soft power" (poder brando) é o termo para falar da influência que um país exerce através dos seus produtos culturais, como o cinema dos EUA.

A tal "onda coreana" (ou "hallyu", na língua local) é o nome usado para a explosão da arte e cultura do país pelo mundo, da qual o k-pop é ponta de lança. O artigo mostra como os discursos presidenciais na Coreia incorporam este "soft power" trazido pela música.

Bandeira da Coreia do Sul
Imagem: geo5.net


K-pop salvou o planeta?

A influência aponta para todo o planeta. É comum que lançamentos de k-pop tenham versões com letras e até clipes específicos para fãs da China. Por outro lado, eles chegam cada vez mais ao mercado dos EUA, vide o show do BTS que emulou a 'beatlemania' no programa de Stephen Colbert.

Um discurso histórico analisado no artigo de Tae Young Kim e Dal Yong Kim foi da ex-presidente Park Geun-hye na abertura do Mnet Asian Music Awards (MAMA) em 2014.

É como se o presidente do Brasil discursasse na abertura de uma premiação pop, para atingir tanto os fãs daqui quanto uma audiência global da música brasileira.

"O MAMA começou com o k-pop e agora se tornou cosmopolita, disponível para 2,4 bilhões de pessoas pelo mundo. Também representa o sucesso da economia criativa", ela disse no artigo.

Mnet Asian Music Awards: A maior premiação do K-pop
Imagem: capricho.abril.com.br

No mesmo ano, a ex-presidente disse na Conferência de Lideranças Asiáticas que "a 'onda coreana' se tornou uma tendência internacional" que permitiu ao país "compartilhar corações e amizades".

O exemplo mais espetacular de ajuda do k-pop à Coreia (e ao planeta) foi em abril de 2018, já no governo de Moon Jae-in. Dois meses antes, o ditador do norte, Kim Jong-Un, encerrou a reunião histórica com o presidente dos EUA, Donald Trump, sem um acordo nuclear para dissipar a tensão.

O governo mais moderado de Moon Jae-in continuou empenhado em se aproximar dos norte-coreanos para amenizar a situação. Todo mundo ficou surpreso, mas aliviado, quando Kim Jong-Un aceitou receber shows de k-pop na Coreia do Norte como um gesto de aproximação.

Quem era o representante do sul ao lado de Kim Jong-Un durante um show, ajudando a tirar uma bomba nuclear das preocupações de todo mundo? O ministro da cultura da Coreia do Sul, Do Jong-hwan. Não foi um acordo nuclear, mas virou amizade musical.

O ministro disse na época que Kim Jong-Un parecia saber da influência cultural que o k-pop poderia exercer na Coreia do Norte, estava disposto a aceitar a troca cultural, e que ele ainda parecia bem humorado e até "cabeça aberta" durante a apresentação.

Literatura sul-coreana encontra prestígio e popularidade no Ocidente

Uma notável leva de escritoras do país vem chamando atenção no mundo, com romances que discorrem sobre sentimentos universais

 

Rafaelle Gomes

Fonte: veja.abril.com.br

Em: 13/08/21

 

A escritora sul-coreana Han Kang tinha 9 anos quando saiu com sua família da cidade de Gwangju rumo à capital Seul. Quatro meses após a mudança, em maio de 1980, Gwangju foi palco de um massacre que manchou a história da nação. Manifestantes contra o regime ditatorial que governava o país, especialmente estudantes, foram duramente reprimidos pelos militares ao longo de uma semana: mais de 2 000 pessoas morreram. Han, então, era muito nova para entender o que tinha acontecido. Aos 12, fuçando escondida as coisas do pai, encontrou um livro com fotos do episódio. A imagem de uma mulher com o rosto desfigurado pela violência a chocou tanto que, segundo Han, mudou sua vida para sempre. “Algo dentro de mim se quebrou. Fiquei com medo do ser humano, e me toquei que eu era um”, disse ela. Han também deparou com fotos de pessoas ajudando os feridos. Instaurou-se a dúvida: seria a humanidade boa ou má? A pergunta, bússola de sua escrita, é explorada em detalhes em Atos Humanos, livro da autora lançado recentemente no Brasil pela editora Todavia. Nele, Han observa o massacre de Gwangju através dos olhos das vítimas, estejam elas vivas ou mortas. São pais que perderam filhos, sobreviventes que se sentem culpados e até a alma de um jovem morto que continua presa ao próprio corpo jogado numa vala coletiva.

Han Kang, a autora de “A vegetariana”
Imagem: nytimes.com

A escritora, hoje com 50 anos, ganhou visibilidade por aqui em 2018 com A Vegetariana. O romance sobre uma jovem em colapso mental, que almeja se tornar uma planta — deixando, então, a carcaça de ser humano que tanto a incomoda —, foi lançado na Coreia do Sul em 2007 e adaptado para o cinema de lá dois anos depois. Quase uma década mais tarde, em 2016, a obra, traduzida para o inglês, ganhou o prestigioso prêmio Man Booker Prize, no Reino Unido. Han foi chamada pela crítica inglesa de “pérola secreta” do Extremo Oriente. A descoberta tardia da autora pelos ocidentais veio na esteira da boa fase do soft power sul-coreano. A popularidade dos famigerados astros do K-pop e do premiado cinema que deu ao mundo o irretocável Parasita ajudou a jogar luz sobre a literatura produzida no país. Transitando entre fatos históricos, relações familiares e delírios fantásticos, esses livros se apresentam como janelas para as idiossincrasias da península, mas prendem ao discorrer sobre sentimentos universais.

Capa de “A vegetariana”
Imagem: faru.files.wordpress.com

Em comum com os cineastas sul-coreanos, as obras ainda demonstram uma total falta de apego a rótulos e gêneros. Han vai do drama ao terror e do erotismo à fantasia em um mesmo livro. Seus narradores se alternam em capítulos poéticos e sucintos — em A Vegetariana, a protagonista nunca assume o posto de narradora: sua vida é observada e ditada pelas pessoas ao redor, do marido ao cunhado. A mesma criatividade aparece na obra de You-jeong Jeong, 54, outra autora que caiu recentemente nas graças dos leitores brasileiros, apelidada de “Stephen King coreana”. Com uma escrita crua e viciante, ela não se importa com a clichê descoberta sobre quem cometeu o crime, mas sim por quais razões o fez. Caso de O Bom Filho (Todavia), thriller sobre um jovem que tenta lembrar se ele é o assassino da própria mãe. Antes mesmo do sucesso fora, You-jeong já era um fenômeno em seu país.

You-jeong Jeong, a “Stephen King coreana”
Imagem: koreapost.com.br


Outra best-seller, Min Jin Lee, 52, imigrante nos Estados Unidos, adiciona à fórmula das conterrâneas as experiências do deslocamento daqueles que se mudam de país. No belíssimo romance Pachinko (Intrínseca), lançado no ano passado no Brasil, ela atravessa quatro gerações de uma família em conturbados cenários históricos, da relação nada amigável entre Coreia e Japão passando pelas feridas da II Guerra e pelos eventos que provocaram a divisão da Coreia em Norte e Sul. 

Min Jin Lee tem espaço garantido nas adaptações das plataformas de streamming
Imagem: nytimes.com
     

Elogiada pelo ex-presidente americano Barack Obama, Min Jin tem só dois livros lançados e não demorou a ser disputada pelas plataformas de streaming. A Apple TV+ prometeu para este ano uma série adaptada de Pachinko, e a Netflix adquiriu os direitos de Free Food for Millionaires (sem tradução no Brasil), no qual uma coreana tenta se encaixar na elite nova-iorquina. Não é coincidência que três expoentes dessa onda sejam mulheres. A queda da ditadura nos anos 80 abriu caminho para um forte movimento feminista, refletindo no mercado de trabalho: atualmente, escritoras são maioria nas livrarias do país. São elas que abrem hoje uma bem-vinda janela para a literatura do Oriente.

Capa do livro “Pachinko”, de Min Jin lee
Imagem: coisasdemineira.com


 

'Round 6' e o k-drama: Coreia do Sul apostou na cultura e virou potência no cinema e na TV

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